segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Blues do sujeito excêntrico

Le Joueur de Guitare, Paul Gauguin

Lá vai ele
O mundo nas costas
Não dá respostas
Do que ele gosta

Não há pressa
Mas ele corre
Não demora
Que o sol já vai se pôr

O escuro não é seu companheiro
Dá vontade de gritar
Sair pela porta
E nunca mais voltar
Assim é sua vida
Ele irá se acostumar

Não quer ser
Motivo de conversa
E quando o é
Lhe dói à beça
Ele não faz amigos
Pois conhece o perigo

Ele é capaz de se vingar
Não é mau
Mas não sabe perdoar
O seu senso de justiça
É melhor não apurar

Sua ética, sua moral
Seus conceitos fogem do normal
Não se trata de loucura
Mas de um sujeito legal
Que não reza
Nem comemora o natal

Seus amores, suas paixões
Talvez não os tenha, quem sabe?
Ele não demonstra
Alguém amar
Tampouco, isso é óbvio
Tenciona falar

Por falar em falar
Há de se falar
É o que se fala
Ninguém nunca o ouviu falar

Chamam-no autista
Às vezes esquizóide
Na verdade ele é um lorde
Do que se chama devaneio
Só ele sabe o que se passa
No interior de seu seio

Já tentaram decifrá-lo
Um trabalho em vão
Psicanalista, psicólogo
Psiquiatra, pai-de-santo
Esse conjunto solução
Está escrito em esperanto

Se vive, se morre
Ainda não decidiu
Sabe que é uma dúvida vil
E prefere não pensar
Tampouco, isso é óbvio
Tenciona falar

Por falar em falar
Há de se falar
É o que se fala
Ninguém nunca o ouviu falar
Talvez seja porque
Não sabem o escutar

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Equador

Equador é um dos dez livros selecionados e sugeridos pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) ao vestibulando. Na verdade, ao bom vestibulando, a leitura do segundo adjetivo referente ao livro, é impostos, já que a prova de português gira em torno desses romances, especialmente na 2ª fase.

Certa feita, comentei com uma amiga sobre esse livro. Automaticamente sua resposta foi um "Deus me livre", ou qualquer coisa parecida que não me lembro ao certo no momento. Ela afirmou abertamente que tem uma certa aversão ao tipo de literatura a que pertence o referido romance. Segundo ela, sua preferência é por literatura pobre, e que contenha, suponho eu, na maioria das vezes, uma bela estória de amor, narrada de forma altamente dramática, a fim de prender o leitor ao enredo, transformando-o num mero espectador, não oferecendo-lhe, em contrapartida, os ingredientes necessários à interpretação das entrelinhas da obra, inexistentes no caso. Argumentei ainda, explicando-lhe que o livro era empolgante e continha um triângulo amoroso - e se o leitor permite o spoiler, futuramente, tornando-se em quadrado, com direito a traições e o escambal. Isso, no entanto, não foi o suficiente para convencê-la de que Equador seria uma boa e essencial leitura. Dessa vez, a réplica foi: "é psicológico, eu sei. O livro pode ser bom, mas se foi a escola que recomendou, perde a graça. É como se eu tivesse estudando." E de fato trata-se de estudar o livro, o que eu fiz aliás. Se bem ou mal, já são outros quinhentos, que infelizmente irão significar parte de meu desempenho da prova.

O que se pode dizer de Equador é que é um bom livro indiscutivelmente. Não obstante alguns erros históricos, cuja percepção não me é de direito, o conjunto da obra é de uma brilhante arquitetura. Livro de época, remonta ao início do século XX e narra a vida de Luís Bernado Valença, um indivíduo solteiro, já próximo dos quarenta anos. Doutor Valença, como gostava de ser chamado, mesmo tendo iniciado seus estudos de direito, acabou por administrar a companhia de navegação herdada dos pais, que futuramente seria vendida pelas circunstâncias. "Era um homem livre: sem casamento, sem partido, sem dívidas nem créditos, sem fortunas nem apertos, sem o gosto da futilidade nem a tentação do desmedido". E fora pelo seu estilo de vida e qualidades de um intelectual liberal, que o transformavam em homem de vanguarda, que recebera o convite do rei de Portugal para tratar de problemas ligados ao trabalho escravo, desempenhando a função de governador nas longínquas ilhas de São Tomé e Príncipe.

Sobre a linguagem do texto, há de se ressaltar que foi escrito na variante lusitana do português, o que não impõe nenhum duelo à sua compreensão, entretanto. Mais complicado é não se perder no estilo rebuscado do autor, cheio de longos períodos que intercalam pensamentos das personagens com acontecimentos e até intervenções suas. De qualquer forma, de um modo geral, a leitura é tranquila e empolgante em determinados pontos. As excessivas descrições(não acima do suportável) ajudam o leitor a ambientar o espaço em que se passa o enredo, fazendo com que, mesmo os não familiarizados com o ambiente tropical, possam recriá-lo que fidelidade. Não lhe escapam as minúcias, largamente vestidas em comparações e metáforas, e o psicológico das personagens.

A grande importância que Luís Bernardo tem na obra, faz imaginá-lo como um co-autor do livro. Isso pode ser comprovado pela predominância de seus pensamentos e ponto de vista, com os quais o leitor pode identificar-se durante a leitura. Trata-se de um romance que passeia pelo íntimo humano e suas relações sociais, pondo o homem como um ser eternamente em dilema e inconstante, ora por cima ora por baixo.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Dentro de si próprio

Ele não imaginava que seria assim. Jamais pensara que perder o controle da situação seria tão deprimente, e que lhe causaria tanta angústia. Angústia que ele não sabia explicar direito, mas que sentia em cada suspiro seu.

Estando livre de suas obrigações diárias, as quais ele mesmo impusera a si próprio, restou-lhe passar a noite sozinho. Para ele era uma situação estranha, sem dúvidas. Não se pode dizer inédita, porque já passara por isso, mas tão distante acontecera que lhe era quase uma novidade. Ficar sozinho e tirar um tempo para si para muitos é uma ação normal e muitas vezes necessáriaas para ele era algo extraordinário. Acostumara-se a viver intensamente, não necessariamente no sentido da qualidade, mas no da quantidade.

Com o tempo, somou-se a sua ansiedade natural todo aquele espírito jovem que "nunca deixa para amanhã o que se pode fazer hoje". Ele conseguiu desvirtuar a célebre frase de Horácio, carpe diem, de seu puro significado. "Colher o dia", aos latinos, certamente, significava aproveitá-lo da melhor maneira possível, sem deixar nada para trás, e desfruntando de cada simples fato. Evidentemente algo muito diferente de "ocupe sua vida com passatempos constantes". Havia chegado à conclusão, certa vez, de que o silêncio trazia-lhe sensações desagradáveis e a inércia lhe doia na alma. É por isso que vive num ritmo alucinante, sempre tendo o que fazer, a procurar brechas nas quais poderia encaixar mais uma atividade, e esquecendo-se que há uma alma que precisa de descanso às vezes.

Mas dessa vez havia de ser diferente. Fora forçado a aquietar-se, e assim o fez, mesmo contrariando a si próprio. A princípio, estava indo bem. Pensou que talvez estivesse enganado sobre olhar para dentro de si, e realizou que não era tão mau quanto estava acostumado a pensar. Porém, lentamente a madrugada se aproximava, e ela que, até então, era sua companheira fiel, com a qual compartilhava as noites insones, agora parecia amedrontar-lhe. Ele não podia explicar donde vinha esse sentimento angustiante que lhe ia tomando conta. Só sabia que, à medida que o silêncio tornava-se maior, crescia-lhe também o desânimo. Misteriosamente, esse desconforto deixava de pertubar apenas sua mente, para impregnar-se-lhe o peito, como se o coração estivesse sendo esmagado por uma fria e impiedosa mão.

Cada vez mais sentindo-se só, completamente abandonado, sentia falta de poder gozar de tudo aquilo que outrora lhe fazia feliz. Seu amor, sua família, as atividades que fazia com tanto apreço, a música, sua vida completamente peculiar, tudo que, naquele momento, sentia não ser suficientemente confortante. Sabia que depois de uma noite de sono tudo iria voltar a ser como antes. O blues o faria tocar uma guitarra invisível, e a lembrança de um beijo apaixonado estamparia em seu rosto um sorriso embevecido. Mas ele não conseguia sequer dormir. Era muita angústia para poder fechar os olhos e descansar.

A situação configurava-se extremamente desesperadora. Era como se houvesse chegado ao fim de um túnel sem fim, como estar perdido em alguma dimensão que não a nossa, como estar em algum lugar de um espaço sem escalas, ao momento em que as horas nada marcavam. Soube logo que ninguém poderia ajudá-lo naquele momento, e que a ele cabia reverter as circunstâncias. E bastou. Dormiu instantaneamente, como se nada tivesse acontecido. Certamente, ao acordar, ele não se daria conta do que acontecera na noite passada, mas inconscientemente saberia que o desespero é um atalho para a paz, quando se quer encontrá-la.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A porta

Ela bateu a porta tão forte quanto jamais imaginara que pudesse fazer. Já do lado de fora, de pé, ajeitou-se. Cabelos penteados, ar de superioridade. Quem a visse não desconfiaria da cena que ela acabara de protagonizar.

Ainda de pé, gesticulou com as mãos. Sinal de raiva, talvez arrependimento. Nem ela sabia o que sentia naquele momento. A única certeza era uma profunda e pausada respiração que poderia ser ouvida não fosse o barulho da cidade grande às seis da tarde. O que ela estava esperando? Queria ela que o namorado, com quem acabara de discutir duramente, viesse buscá-la? Certamente que não.

De fato, em seus cinco minutos à frente da casa, ele não havia aparecido. Imaginou-se entrando de volta na casa, como se nada tivesse acontecido. Hesitou, entretanto. Conclui que fazendo isso, daria o braço a torcer. Era a demonstração da sua fraqueza moral. Nunca fora orgulhosa, nem seria em qualquer circunstância, dizia ela. Mas não se tratava de empáfia. Sua honra estava em xeque. Ao dar-se conta disso, instantaneamente foi embora. Não mais voltaria.

Pouco depois, a porta se abriu. Claramente via-se uma face preocupada no limite entre o interior da casa e o lado de fora. Ele olha para o jardim, como se estivesse à procura de alguém, e um leve sorriso toma-lhe o rosto. O limpador de piscina acabara de chegar para o serviço.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Como abandonar um banho quente?

L'homme à son bain, Gustave Caillebotte

Noite de inverno. É bem verdade que ao fim da estação o frio não é tão intenso, mas, de qualquer forma, um banho quente sempre cai bem. Ainda há o fato de que se passaram menos de um sexto de dia desde o último. Nessas circunstâncias, torna-se um capricho o banho, agora mais por vaidade do que higiene.


Dá-se então todo aquele ritual: toalha, sabonete, xampu. As roupas já não encobrem as vergonhas ou qualquer parte do corpo, molhadas pela água que cai do chuveiro. É bom, relaxante. Junto com as impurezas da pele, vão-se todos os pensamentos ruins. Toda ansiedade encontra um calmante, e a mente desanuvia-se. É a pureza do corpo e da alma que convergem. A solidão encontra um companheiro.

A eternidade não é amiga dos momentos bons, no entato. Deve parar. Como fazer isso? Como abandonar um banho quente? De fato, sabe o que deve ser feito. Porém não basta. Clama por não findar-se. É preciso de uma dose maior de esforço para desprender-se do conforto e enfrentar a realidade. Momento difícil. O conchego de há pouco dá lugar ao contato com o ar frio, implacável.

Não adianta, o banho acabou.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

O que eu estou fazendo aqui?

E, para ser sincero, até agora penso "por que eu criei isso daqui?". Tudo bem que todos devemos ter um tempo de lazer, o famoso ócio. Mas eu já excedi todos os limites de distração. Faltando vinte e poucos dias para o vestibular da UEFS, e passados mais ou menos 6 meses desde que soube que não havia passado no vestibular da UFBA, ainda não estudei o suficiente para ser digno de uma vaga em universidade. "Ah, Caio, tu broca, tu é inteligente", "Oxe, rapaz, tu passa no teu curso em primeiro"... É o que tenho ouvido ultimamente ao ser realista o suficiente e dizer aos demais que não passo. É ruim quando as pessoas criam uma imagem falsa de você. Não sei o motivo pelo qual sou inteligente para muitos. Nunca fiz nada de espetacular; nunca tirei nota máxima em prova de matemática (esses dados não levam em conta as notas do ginásio); nunca criei um programa de computador, exceto uma calculadora; enfim, não sou exemplo a ser seguido.

Não pensem que sou um pobre coitado que não sabe fazer nada e tem complexos de inferioridade aliado a distúrbios psico-sociais, cujo motivo poderia ser uma falta de amparo familiar. Eu tenho lá minhas qualidades e isso não nego. Às vezes posso até ser visto como um "senhor sabe-tudo metido a intelectual e sem um pingo de humildade". Sei lá o que esse povo pensa de mim. Eles imaginam tudo que não devem imaginar e não enxergam o que realmente sou, o que tenho de bom e de ruim.

Voltando à questão do vestibular, está na cara já. E eu tenho que estudar uma porrada de coisas, mas eu não tenho mais o mínimo saco para tal. Ver todas aquelas coisas maçantes do Ensino Médio... Não gosto nem de pensar nelas. Não me sinto bem estudando cosseno, tangente, funções, nem movimento retilínio uniforme, ou técnicas de redação, ou ainda composição de solos (terra, não é solo de guitarra). E então fico na dúvida. Será que eu sou um descompromissado ou meu jeito de ser é que é intransigente para com certas coisas? Eu vejo tantas pessoas que, mesmo sem gostarem de estudar, estudam. Assim o fazem pelo compromisso que têm. Talvez eu devesse ser desse jeito. Mas definitivamente não sou. Sou bastante cuidadoso com o que tenho, vou fundo (mais até do que a sensatez recomenda) nas coisas que me agradam e alheio ao que não gosto. Não significa, no entanto, que sou egoísta. É apenas uma questão de extremos. Gosto do que gosto, não gosto do que não gosto.

E assim eu vivo. Com responsabilidades as quais alguns acham que é perda de tempo, e com a sua falta para assuntos que, contrariando a lógica do mundo, não me interessam. Vamos ver no que vai dar...