sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A porta

Ela bateu a porta tão forte quanto jamais imaginara que pudesse fazer. Já do lado de fora, de pé, ajeitou-se. Cabelos penteados, ar de superioridade. Quem a visse não desconfiaria da cena que ela acabara de protagonizar.

Ainda de pé, gesticulou com as mãos. Sinal de raiva, talvez arrependimento. Nem ela sabia o que sentia naquele momento. A única certeza era uma profunda e pausada respiração que poderia ser ouvida não fosse o barulho da cidade grande às seis da tarde. O que ela estava esperando? Queria ela que o namorado, com quem acabara de discutir duramente, viesse buscá-la? Certamente que não.

De fato, em seus cinco minutos à frente da casa, ele não havia aparecido. Imaginou-se entrando de volta na casa, como se nada tivesse acontecido. Hesitou, entretanto. Conclui que fazendo isso, daria o braço a torcer. Era a demonstração da sua fraqueza moral. Nunca fora orgulhosa, nem seria em qualquer circunstância, dizia ela. Mas não se tratava de empáfia. Sua honra estava em xeque. Ao dar-se conta disso, instantaneamente foi embora. Não mais voltaria.

Pouco depois, a porta se abriu. Claramente via-se uma face preocupada no limite entre o interior da casa e o lado de fora. Ele olha para o jardim, como se estivesse à procura de alguém, e um leve sorriso toma-lhe o rosto. O limpador de piscina acabara de chegar para o serviço.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Como abandonar um banho quente?

L'homme à son bain, Gustave Caillebotte

Noite de inverno. É bem verdade que ao fim da estação o frio não é tão intenso, mas, de qualquer forma, um banho quente sempre cai bem. Ainda há o fato de que se passaram menos de um sexto de dia desde o último. Nessas circunstâncias, torna-se um capricho o banho, agora mais por vaidade do que higiene.


Dá-se então todo aquele ritual: toalha, sabonete, xampu. As roupas já não encobrem as vergonhas ou qualquer parte do corpo, molhadas pela água que cai do chuveiro. É bom, relaxante. Junto com as impurezas da pele, vão-se todos os pensamentos ruins. Toda ansiedade encontra um calmante, e a mente desanuvia-se. É a pureza do corpo e da alma que convergem. A solidão encontra um companheiro.

A eternidade não é amiga dos momentos bons, no entato. Deve parar. Como fazer isso? Como abandonar um banho quente? De fato, sabe o que deve ser feito. Porém não basta. Clama por não findar-se. É preciso de uma dose maior de esforço para desprender-se do conforto e enfrentar a realidade. Momento difícil. O conchego de há pouco dá lugar ao contato com o ar frio, implacável.

Não adianta, o banho acabou.