quarta-feira, 27 de maio de 2009

segunda-feira, 25 de maio de 2009

depressão

El guitarrista viejo, Pablo Picasso

é teimosa, insistente
é de mim qual minha sombra
é de ir e vir, sol poente

penetra na festa
penetra é
me ata, me prende, me infesta

pálida figura atrás da cortina
ator maquiado de alva timidez
medroso da janela, da vida lá fora

o muro não esconde minha casa
a máscara não oculta a verdade
meu rosto não disfarça a tristeza

eu me sofro, não o quero
não sorrio, sou rio
de caudaloso percurso

o vício em substâncias mágicas
promessas de alívio não tão fantásticas
no peito a dor, fisgadas esporádicas

o jornal folheado
a televisão ligada
a comida estragada

água limpa é vaga lembrança
sensação sucumbida ao suor grudento
é o que desejo, é minha esperança

a roupa precisa ser trocada
a porta está trancada
há passos na sacada

renego a todos, só não à solidão
que me acompanha na sombria
hora de dormir

vazio e fragilidade
eis-me em dois substantivos
tão abstratos quanto a egoísta existência

depressão maldita
maldita
depressão

domingo, 17 de maio de 2009

Sem título II

Le Faux Miroir, Magritte

Seus olhos infinitos
a mirar-me por todo o sempre;
e eu a tê-los por todo o nunca,
e a esperança intermitente
de, um dia qualquer,
eis o sumiço do tempo.

Assim seremos
somente eu e seus olhos
infinitamente.


sábado, 16 de maio de 2009

sem título

estrada

feita de terra
pedregosa, amarela

cuja subida me revela
o caminho que se encerra
ao encontro da pesada cancela

interdita, talhada em madeira cor-de-canela

lembro-me da partida singela
idéia do sonhador que erra
ingênuo, sem cautela

um gênio sem goela
que já não berra

cilada

sábado, 2 de maio de 2009

poiesis

Белое на белом, Казими́р Севери́нович Мале́вич
Branco no branco, Kazimir Maliévitch

poesia é mais que rimar
meia-dúzia de vocábulos,
não é um mero brincar
com as palavras,
tampouco expressãodos sentimentos.

poesia é quando você olha
para o papel e não consegue
deixá-lo em branco.





sexta-feira, 1 de maio de 2009

O último voo do Senna

Uma das mais remotas lembranças que tenho é daquele primeiro de maio de 1994, GP de San Marino de Fórmula 1, eu de manhã parado em frente à TV e olhando sem entender bem o que se passava entre uma narração desesperada do locutor e aquela agitação de pessoas nas imagens.

Dali a horas, um herói morto, uma família em prantos, um mundo chocado e uma criança emocionada. Irônico, mas Senna nasceu para mim, exatamente no momento em que partia para sempre. Desde então seu nome me orgulha e comove. Sempre que vejo aquele fórmula-1 recebendo a bandeirada ou ouço sua música (que embora outros tomem emprestado, será sempre sua), é um choro que sobe à garganta.

Eu não acompanhei sua carreira. Não vi suas corridas, suas ultrapassagens fantásticas, os pódios brilhantes nem as vitórias históricas. Não sei por que Senna é um herói, um mito. Sobretudo não sei por que sua lembrança me entristece e ao mesmo tempo enche de brio.

Só sei que essa sensação talvez seja a mesma experimentada por ele nos segundos finais entre a saída da pista e o muro carrasco: a convergência da dolorosa certeza da morte e orgulho de ter sido em vida um talento incontestável, uma lenda do esporte.