quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Um táxi na chuva

Taxi in the Rain, Anne Kullaf

Quisera eu ter tempo para admirar a chuva que cai. E não pense que eis uma redundância, pois há chuvas que desabam, há as que deslizam, as que borram o céu, as que não existem. A de hoje é um pouco de todas elas.

Segunda-feira, último dia do mês. Estou certo de que toda essa água vem para diluir e carregar para a terra e esgotos os infortúnios de agosto, época do desgosto. Com os maus agouros vai a espera duns graus a menos nos termômetros. Não me acostumo à ideia de um meio de ano quente. No interior é diferente. Lá a fina garoa é constante, seja ao amanhecer, ao passar do dia ou à boca da noite. Uma garoa que eu tanto aguardei desde o São João e que só deixou-se aparecer hoje.

O dia precisou amanhecer nublado, abrir-se ― uma brincadeira de mau gosto especialmente para mim ― e voltar a acinzentar-se à tardinha. A despeito da psicótica rixa das forças da natureza para comigo, a chuva veio. E, diferentemente de outras vezes, já se vão algumas horas desde que chegou nos céus daqui.

Quisera eu ter tempo para admirar a chuva, que cai, desaba, desliza, borra e não existe. São quase tantos tipos de chuva quanto as gotas que caem. Os motoristas nos carros, no entanto, não vêem a chuva passar, presos que são no trânsito vagaroso. Até entendo sua ânsia por chegar logo em casa depois de um dia cansativo. É sua opção enraivarem-se. Cada um elege os sentimentos que lhe convêm.

Assim também é meu direito zombar deles, por não aproveitarem um tempo de gozo pleno, em que nada é mais forte que a força da chuva. De dentro de um veículo, a intensidade da água no metal é quase um pêndulo hipnotizante, intenso e pesado barulho psicodélico, não cabendo aqui melhor descrição ― não se dorme, vigília não pode ser, tampouco sonho, é existir, talvez, no pequeno pedaço de céu que escorre no vidro embaçado.

O mundo real não se quer ver, nem a chuva lhe permite se oferecer às retinas. Faz um pouco de frio, mas não é sentido. Não faz sentido, aliás. Rima para cidade é calamidade, e o que é feio a água limpa. O vidro molhado seca, já é noite e todos chegam às suas residências molhadas.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Uma pedra chamada faculdade...


sábado, 5 de setembro de 2009

versos do ocaso

La nuit sans étoiles, Jean-Claude Rousseau

há esse senhor leitor
que folheia sem pudor
e a cada página perpassada
letras contam uma vida
perfeitamente contida
num livro sem muita cor

velhice é noite sem estrelas
são memórias foscas e
o fim de leitura