quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Reveillon à la Riachon

Não tem nada mais pragmático para mim do que fim de ano. Natal na casa da avó, a certeza da incerteza de não saber onde passar o reveillon, e, no final, o mesmo brindar de champagne chez moi.

Sou obrigado a digerir junto ao que quer que se sirva – o que me lembra a famosa expressão
qu'est ce que c'est e derivados – minha realidade provinciana com toques gauleses. Aliás, dizer toque é um eufemismo, porque na verdade acontece de a atmosfora dos últimos dias de dezembro ganhar ares franceses. Ou respiro ou morro.

A disparidade, mais evidente quando paro para pensar, chega a ser provocativa quando tio Philippe está por perto. Não bastasse ser francês, o sotaque dele, como o de todo patrício seu, permanece o mesmo ainda que com 20 anos de Brasil.

Bonne année pra cá,
bonne année pra lá. Abraços remetem ao liberte, egalité, fraternité. Os brindes e seu mote tradicional soam como salut. Se se bebe enquanto o ano-novo não chega, é com vinho – de onde vêm os melhores? A ceia é um prazer cuja excelência do preparo pertence ao chef cuisinier.
Alors, espero que essa avalanche – que já foi um galicismo – não me soterre e um dia eu esteja à Paris pour le reveillon.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

o despertar de uma mulher

La Magie Noire, Magritte

o despertar de uma mulher
é uma melodia serena
feito um balanço no parque
lá e cá, deslizando no ar
um movimento leve e paciente
cadenciado, contra o qual insurgem
lapsos de descompasso

não importam as intermitências
o despertar de uma mulher é sutil e elegante
é uma flor com hora certa para desabrochar

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Poemação III

La Chambre d'Écoute, Magritte

Propuseram-me metáforas várias para o poema:
o poema seria a luz do sol, que chega sem pedir licença
ou uma caixa onde podemos guardar e resgatar sentimentos
ou ainda uma garrafa lançada ao mar, mensageira nossa para alguém;
também seria o poema uma espécie em extinção, eu lá sei por quê
e o poema poderia ser uma janela do último andar de onde tudo se pode ver.

Porém, o poema permanece uma maçã,
servindo ao homem de acordo com a sua vontade.
Aliás, comê-la ou vê-la despencar do pé?



sábado, 5 de dezembro de 2009

a lógica de um pedido

Summer Evening, Hopper

tempo é dinheiro
tu me disseste eu era um vagabundo
vagabundos têm muito tempo
logo, tenho muito dinheiro
casa comigo?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Brancura II

Metamorphosis, Vladimir Kush

Aonde nossos pensamentos nos levam
senão à escalada de uma montanha?
Quanto mais o exercício de idéias, mais alto vamos.
Se acontecer de ao topo estarmos,
é porque juntos pensamos.
Se o pensar não for plural, te amo.
Eis um obstáculo...

É dito só podermos sermos felizes na ausência de razão
Não pensemos, então.
Porque se o fazemos, recusamos o sentimento.

Eu bem que não achava a montanha o bastante.
Amemos, pois e apenas, e alçaremos voo num lindo balão,
tão branco e elevado quanto nuvens,
com as quais nos fundiremos,
as quais nunca mais confundiremos
com um modesto tufo de algodão.



Leia também o poema Brancura.