segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Zapíski iz pódpol'ia

Портрет Достоевского, Васи́лий Григо́рьевич Перо́в
Dostoievski, Vassíli Grigorievitch Peróv 

Todo homem tem algumas lembranças que ele não conta a todo mundo, mas apenas a seus amigos. Ele tem outras lembranças que ele não revelaria nem mesmo para seus amigos, mas apenas para ele mesmo, e faz isso em segredo. Mas ainda há outras lembrancas em que o homem tem medo de contar até a ele mesmo, e todo homem decente tem um consideravel numero dessas coisas guardadas bem no fundo. Alguém até poderia dizer que, quanto mais decente é o homem, maior o número dessas coisas em sua mente.

E alguém há de discordar de Dostoievski? Essa é uma passagem do seu livro Memórias do Subsolo, (em russo: Записки из подполья, Zapíski iz pódpol'ia). É uma leitura um tanto densa, especialmente a primeira parte, em que o narrador dialoga com seu público imaginário. Embora muito da obra faça maior sentido numa Rússia do século XIX, o centro da sua escrita, a condição humana, o seu subterrâneo, não parece ter mudado de lá para cá. Não à toa, por seu conteúdo, essa é reconhecidamente a primeira obra existencialista.

domingo, 17 de outubro de 2010

Indefinível

 Current, Kush

Não sou apenas um punhado de energia criativa, mas uma pulsão, uma inquietação recorrente, invariável, desconcertante e incontrolável, endless, cíclica, crítica, broto, nasço, compartilho, divido, confundo, misturo, embaralho, como um quadro de Kush.
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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Aclarando preconceitos

 Marter der zehntausend Christen, Albrecht Dürer
 
Antes de colocá-lo de volta na estante, gostaria de compartilhar uma passagem d'O Livro das Drogas: Usos e abusos, desafios e preconceitos de Antonio Escohotado.

A primeira vez que entrei em contato com os escritos desse senhor foi no ano passado, enquanto aluno de uma disciplina na faculdade socioantropologia das drogas o que me inspirou a escrever um artigo sobre escritores e psicoativos. Algum tempo depois mas há algum tempo atrás, encontrei por acaso o referido livro num sebo virtual, comprei-o e só agora pude lê-lo. De início, sabia que não era um livro propriamente acadêmico, no entanto, não imaginei que chegasse ao ponto de estar mais para memórias.

Ainda que seja um livro crítico com relação à questão das drogas, numa abordagem que, conforme o próprio subtítulo avisa, vai em advocacia dessas substâncias demonizadas pela sociedade, fato é que o autor surpreende com as narrativas de suas peripécias ebriosas.

A passagem que quero dividir é esta que me fez rir e por um momento acreditar que estava lendo um romance ou texto fictício.

Tive ocasião de comprovar suas potência [do THC] há mais de uma década e meia, quandos dois amigos e eu ingerimos uma quantidade excessiva (pensando que não o fosse) e fomos visitar a pinacoteca de Munique. Passaram-se quase duas horas sem efeito algum, até que de repente começou a nos impregnar. O ar se povoou de pequenos seres em suspensão, como se estivéssemos dentro de grandes aquários, invisíveis até então, sulcados por um clarão de luz intermitente, enquanto os retratos e as paisagens não só emitiam o calor humano de pessoas vivas mas uma música adequada a seus tons de cor. Recordei imediatamente os comentários de Baudelaire e Gautier sobre transformações de formas em sons, enquanto uma progressiva imobilidade ia tomando conta de nossos corpos; a mim, por exemplo, era impossível tirar a mão de um bolso da jaqueta, e comprevei que meus amigas estavam em diferentes salas, compleatamente quietos, cada qual em frente a um quadro. Consegui chegar em uma sala com diversos Rubens (entre eles Cristo e Maria Madalena) e alguns Dürer, atônito ante as mudanças perceptivas, quando o tempo se deteve e também precisei me sentar. As pinturas deixaram de ser telas e se transformaram em janelas para diferentes paisagens, suavemente animadas de movimnentos, que transmitiam uma enormidade de sentidos. Passar de um a outro era percorrer universos complexos, uma inefável imersão em épocas e climas espirituais passados que de repente estavam ali, vividos nos mínimos detalhes, oferecidos como se oferece o dia a quem abre as janelas do quarto, com os sons, aromas e brisas do momento.

ESCOHOTADO, A. O Livro das Drogas: Usos e abusos, desafios e preconceitos. São Paulo: Dynamis Editorial, 1997.
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domingo, 3 de outubro de 2010

Ура, Товарищи!

Мир стоит на вулкане, Маяковский
(Mir stoit na vulkane), Maiakovski

Recentemente li A Ideologia Alemã de Marx e Engels, uma obra um tanto singular. Lançada postumamente, em 1932, e a cada edição sendo complementada com trechos faltantes. Ainda hoje, há páginas dos manuscritos que perdidas.

Na obra, dá para perceber a formação do materialismo histórico e dialético e a ideologia comunista; talvez, o embrião do Manifesto. A primeira parte do livro é um debate filosófico pesado, que só entende quem passou por essa graduação mesmo. Depois, a leitura se torna mais tranquila: uma boa análise, resumida embora não simplória, da história da sociedade capitalista, aliás da História.

Um intelectual cujo nome não me recordo já declarou, "Marx acertou no diagnóstico, mas errou na solução". De todo modo, suas ideias deveriam ser leitura obrigatória. Quem sabe assim o mundo não seria um pouco mais sensível à condição humana. Embora Marx tenha feito uma crítica ao socialismo utópico, considerando seu método de fato científico, eis um pouco de utopia:

Para nós o comunismo não é um estado que deve ser criado, ou ideal pelo qual a realidade terá de ser conduzida. Consideramos o comunismo o movimento real que supera o atual status quo.

MARX, K. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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