segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Árvore de natal

 Christmas Tree, Gene Davis

Me lembro hoje do Acaso agricultor,
cuidadosa e pretensiosamente,
deitando uma certa semente
em outrora solo infecundo de amor.

De onde brotou rica coisa arbórea
e me nasce essa coisa corpórea
a que eu agora apelido saudade.
Sinto-a no peito com acuidade.

De seus muitos galhos verdes caem
uns poucos frutos suaves como algodão,
à regência de um arranjo de acordeão.

Melancólicas notas melódicas
compondo emoções metamórficas
de um pretérito e potencial natal.

L'arlecchino

 Arlequín apoyado, Pablo Picasso

Hoje eu encontrei
andando pelas ruas
aquele poeta-palhaço errante
da cara pintada de pó-de-arroz.

Declamou sua meia-dúzia de poemas
e passou nas mãos do público,
as minhas, as tuas,
sua boina-cofre xadrez e decepcionado se foi.

Ou seria um chapéu-coco cinza,
confesso que não me recordo
ao que recente gritei:

Ei, artista! que vestes no teu cocoruto?
Respondeu-me nada trazer a cobrir a cabeça,
trazia-a nua a fazer nascer poesia em quem a olhasse.

domingo, 16 de dezembro de 2012

sonho de marujo



The boatman, Theodore Clement Steele

hoje eu sonhei um velho sonho
era um sobrado abandonado
de cuidados necessitado
à orla da imaginação

impossível esquecê-lo
o que fora uma promessa
e repousa em desamparo
à maresia, alaranjado

embarquei rumo alto-mar
às costas o antigo sobrado
em busca, o tesouro

numa embarcação sem velas
apenas antigas aspirações
à batuta de suaves marulhos

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Oração ao oráculo

L'enigma dell'oracolo, Giorgio de Chirico

Após longa meditação,
buscando a melhor expressão,
encorajei-me a indagar:

"São os simbolismos que nos inventam
ou nós que nos pomos a lhes inventar?

"Embora não sejais invectivo,
não mereceis pronta resposta!"

Incrédulo ante tal divindade indisposta
dirigi-me essa mesma questão
montado em raciocínio abdutivo.

Daí me suceda
que me pareça
que não seja por acaso
que o acaso aconteça,
pois ainda que seja
uma menina travessa
motivo de sua aparição
não pode ser raso.

Profundo e nada discreto,
salta aos olhos, lhes agarra:
que o veja! que lhe ouça,
que o engula!

Indigesto, permanece um enigma.