terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Ontologia do poeta

El poeta, Fernando Botero

O poeta pode abandonar seu ofício,
mas o ofício nunca abandona o poeta.

É que ele pode recusar-se a escrever,
mas irá pensar, sentir e sofrer
em versos,

irá dividir sua vida em estrofes,
rimar gotas de chuva com hélices de ventilador
e, sem se dar conta,
sua vida é um poema épico

e o que antes era casual,
agora invertem-se duas letras,
é princípio, razão.

Que fazer, então?
Não lhe reconhecem a profissão,
pensam-no um fanfarrão.

A despeito disso, não consegue
livrar-se do engrama,

é o eterno gauche na vida.

Ser poeta não qualifica, confunde.
São regras básicas para o jogo
ser sem essência, conhecer sem ciência.

No gozo do descrédito
é que ele se lambuza,
das palavras abusa
para edificar um mundo
sob olhares atravessados
sem argamassa ou tijolos.

Apenas superfícies e rococós,
alicerces de uma vida vazia.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

hein?

Mangue Bangue, Hélio Oititica

hoje acordamos cedo
mas era tarde demais
ó rapaz, estúpido rapaz!

sem amanhã de manhã, menina
não haverá felicidade
só solidão, sem rima

antitética e paradoxalmente
como escrever de novo
no jornal de ontem

é essa insensatez
que ora nos faz
e amanhã nos fez

lambuzados de mel e fel
somos um moderno barroco
uma séria brincadeira

são tantos os versos a roubar
muitas as músicas a cantar
e no céu dor a espalhar

compondo essa descanção
com fatias de medo
e vinho muito azedo

reparto em tercetas estrofes
fujo à censura, amante da arte
um semi-plágio de ene funções

quadráticas, trigonométricas
sobrejetoras ou peripatéticas
vou atrás da vida pra poder morrer

perdido no limite da criação
batendo na mão o coração
amarro palavras monograficamente

monogratifico aquela história
numa morfosintaxe frouxa e inovadora
derretida numa panela de dendê

e parece não mais haver
maneira de um fim colocar
nesse dueto minueto

não é soneto, é cianeto
é um risoto ignoto
é um poético dom patético