terça-feira, 3 de julho de 2012

Sob o silêncio


La Voix du Silence, René Magritte

Porque achei de ouvir-lhe, calei.
Fiz greve de escrita, nem uma palavra a mais
e uma última sentença: sofrer calado
sem a quem apelar, sem orações.

Me resignei merecido.
Aceitei a culpa imputada,
ou até que não havia culpa,
mas alguém havia de pagar pelo pecado,
que nem Eva, e lá fui eu e mordi a maçã.

A maçã do crime eu a comi e regurgitei o silêncio,
que cientificamente é a ausência de som audível.
Porém para mim silêncio é quando não ouve o que não houve
e não o haverá pleno e científico senão além-céus.
Por enquanto, em terras imediatas, o silêncio
comporta mil ruídos.

Para os poetas esses diriam mais,
que é mais eloquente que palavras,
o argumento mais difícil de refutar.
Ao fim de filosofias, nada mais que o não auscultado.

Não obstando todas as considerações
não há ausência que dure a eternidade
senão a própria eternidade, absência de fim,
do que penso, portanto,
que após culpas e acusações por que sentir-me Caim?

Não sei se em ares de mágica
à medida de pó de perlimpimpim
ou arquitetado ao correr do tempo
me dei conta de que pôr letras ao papel, ao contrário,
me seria o único modo de ainda ser querido,
ainda que um querer mestiço, sem saber-se isso ou aquilo.

A única sentença, na verdade, agora em diante:
para bem ou para mal, escrever é o único algo que ainda posso oferecer.
.

2 comentários:

  1. Fantástico!
    Os anos passam e com louvor, sua escrita só amadurece.
    Continue a oferecendo, pois.

    Sucesso, Caio.

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