sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Intervalo epistemológico

L'arbre de la science, René Magritte

As pessoas têm me perguntado por que eu não tenho escrito no blogue há algum tempo, e acho que dificilmente eu consigo dar uma resposta convincente, tanto para elas quanto para mim mesmo. Ou me embolo, ou eu digo que não sei, ou ainda dou alguma resposta qualquer. Acho inclusive que já devo ter escorregadio desconversado, reforçando o estereótipo de que psicólogos e poetas são estranhos. No meu caso, estranho elevado ao quadrado, já que encaixo nessas duas características. O mais irônico de tudo é que nunca criei identidade de nenhuma dessas condições, nem psicólogo, nem poeta.

Acontece que para mim não existe resposta fácil, nem resposta pronta, e tendo que ter respondido ene vezes à mesma pergunta, ainda assim até agora não encontro uma justificativa razoável. Só sei que tem sido assim, parafraseando o ilustre Chicó, que por sua vez é uma atualização da ignorância socrática – só sei que nada sei

A ignorância aliás é ambivalente – ora é bênção, ora é desgraça. Há vantagens no não-saber e no achar-saber: a vida é mais simples, mais objetiva, mais superficial e portanto mais confortável. Por outro lado, sabemos que as aparências traem, e a capa de ingenuidade com que a ignorância cobre os fatos esconde um sem-número de elementos concorrentes, contracorrentes e sobredeterminações que vão a perder de vista, audição, tato... uma vez entrado esse emaranhado, nos tornamos servos do conhecer. Daí que replicar uma singela indagação vira um trabalho hercúleo-teséico de identificar possíveis e plausíveis caminhos. Definitivamente entre o ponto de chegada e o de partida não há um itinerário reto. A vida não é mais evidente, é ao contrário cansativa e assentada num terreno pantanoso.

Sábio, portanto, não é aquele que opta pelos extremos do conhecimento ou da insciência, mas quem consegue traçar os atalhos corretos nos momentos acertados. Eu nunca poderia me considerar um sábio, pois falhei repetidamente em ser breve a um breve questionamento. O fato de eu não escrever possui suas razões mais próximas, ainda que em última análise sempre haverá mais e mais distantes razões. A heurística talvez pudesse ser sintetizada. Mas só talvez, pois a eterna dúvida cartesiana preenche cada espaço de pensamento meu. Definitivamente, não há sabedoria aqui. Faltam-me os métodos para bem conduzir a razão em busca da verdade. Que verdade, aliás?

Eis que por fim escrevo. Perguntas são as melhores respostas.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Não só de poesia vive o homem

Depois de algum tempo sem nada escrever em matéria de poesia, me engajei afinal numa outra proposta e criei o blogue a superior educação, para trazer alguns assuntos voltados para o ensino superior, universidades et cetera e tal, afinal não só de poesia é que se vive. Abaixo o endereço para o blogue:

hiato

Intermission, Edward Hopper

algum silêncio e na cabeça
reverberam os velhos versos
a boca se cala
o semblante desbota
todo o resto embota
até o novo que ala

pois o eco não é duradouro
a inspiração passageira
a escrita para sempre

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Samba-canção

O meu violão não tem cordas, Armando Basto


Fiz um poema pra te dar
Cheio de rimas que acabei de musicar
Se por capricho
Não quiseres aceitar
Tenho que jogar no lixo
Mais um samba popular

Noel Rosa


Veio tão de repente a chuva,
que não pode se abster
da lembrança de um dia deitaram-se,
noutro não mais o queria ver.

Se me permitem mais comparações,
mas oras, não sei a quem peço permissão,
poderá haver respeito por quem
rasgou as cordas do violão?

Volto à anunciada analogia,
foram um diálogo de Hamlet
sem saberem-se uma triste aporia
ficções em lá menor sem melodia

Bem assim foi sua definição,
desdenhosa, desditosa, rosa,
desbotado o escarlate que lhe enchia
os lábios de sua agora vulva viúva.

Porque eis o velho autor suicida
travestido de velho sambista,
nunca morre de vez, mas a cada verso
a cada compasso sincopado na pista.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Diáfano


La recherche de la verité, René Magritte


Il ne saurait y avoir de vérité première. Il n'y a que des erreurs premières
Gaston Bachelard

Para cada pedaço de vida,
há sempre uma bocado incontado.
Escrever o enredo paralelo
é contrassentir as maiores emoções
forjar tais inversões, arrancar
as asas dos anjos.

O mundo é de erros fundamentais,
verdades são os reparos
que veladamente operamos.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Ontologia do poeta

El poeta, Fernando Botero

O poeta pode abandonar seu ofício,
mas o ofício nunca abandona o poeta.

É que ele pode recusar-se a escrever,
mas irá pensar, sentir e sofrer
em versos,

irá dividir sua vida em estrofes,
rimar gotas de chuva com hélices de ventilador
e, sem se dar conta,
sua vida é um poema épico

e o que antes era casual,
agora invertem-se duas letras,
é princípio, razão.

Que fazer, então?
Não lhe reconhecem a profissão,
pensam-no um fanfarrão.

A despeito disso, não consegue
livrar-se do engrama,

é o eterno gauche na vida.

Ser poeta não qualifica, confunde.
São regras básicas para o jogo
ser sem essência, conhecer sem ciência.

No gozo do descrédito
é que ele se lambuza,
das palavras abusa
para edificar um mundo
sob olhares atravessados
sem argamassa ou tijolos.

Apenas superfícies e rococós,
alicerces de uma vida vazia.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

hein?

Mangue Bangue, Hélio Oititica

hoje acordamos cedo
mas era tarde demais
ó rapaz, estúpido rapaz!

sem amanhã de manhã, menina
não haverá felicidade
só solidão, sem rima

antitética e paradoxalmente
como escrever de novo
no jornal de ontem

é essa insensatez
que ora nos faz
e amanhã nos fez

lambuzados de mel e fel
somos um moderno barroco
uma séria brincadeira

são tantos os versos a roubar
muitas as músicas a cantar
e no céu dor a espalhar

compondo essa descanção
com fatias de medo
e vinho muito azedo

reparto em tercetas estrofes
fujo à censura, amante da arte
um semi-plágio de ene funções

quadráticas, trigonométricas
sobrejetoras ou peripatéticas
vou atrás da vida pra poder morrer

perdido no limite da criação
batendo na mão o coração
amarro palavras monograficamente

monogratifico aquela história
numa morfosintaxe frouxa e inovadora
derretida numa panela de dendê

e parece não mais haver
maneira de um fim colocar
nesse dueto minueto

não é soneto, é cianeto
é um risoto ignoto
é um poético dom patético