Chuva na praia, Carybé
Ultimamente eu tinha me habituado a passar as noites, feriados e finais de semana chez moi. Sair, apenas pelos compromissos cuja ausência implicaria sanção além da moral. Não que antes fosse comum o lazer além-lar, porém, as recentes contigências me puseram um tanto alheio à sociabilidade extra.
O domingo de hoje não seria diferente senão pela campanha de vacinação contra a meningite, devido ao grande número de casos na capital. Tomei meu caminho rumo ao posto de saúde quase à tardinha, fazendo um esforço para dissipar os pensamentos intrusos sobre grandes filas, o que vislumbra todo cidadão brasileiro que se veja nas dependências de um serviço público, e também sobre uma hipotética enfermeira mão-pesada a me aguardar. Quando enfim desarranjei essa nuvem de ideias amargas por sobre minha cabeça, a agulha já estava sendo descartada e um montículo de algodão me era cedido para estancar o sangue, ou qualquer que seja sua real função.
Deixei o local e a praia fez-se visão imediata. Sem hipérbole, realmente estava eu atravessando a avenida que me separava do calçadão da praia. Não pude evitar lembrar uma colega que a miúde convocava a um banho de realidade que levava imediatamente a um de mar, consequência da epifania do privilégio que é morar numa cidade costeira e bela como Salvador. De fato, estava certa. Embora os reveses da vivência local turvasse o proveitoso da situação, não lhe punham fim afinal. Mirava o horizonte algo nublado, algo azulado, uma mescla de cores sentida pelo bater do vento na pele. Nem por isso era um dia feio; pelo contrário, seduzia tolamente, feito mulher que não sabe da sua beleza.
Uma água de coco; o comprei de um senhor, figura simpática na voz gasta e ombros quebrantados, como se indiferente ao porvir, sem desdém, puro desleixo, cansaço. Segui pela orla, no fundo certa tensão comum à cidade grande; avante, porém. O azul-gris, o gris-azulado a soprarem seus ventos aveludados. A água de coco que perseverava, qual o senhor da barraca. Imaginei quando pereceriam, e nisso o olhar que se assentava em nada, vasto. Dos tempos que escrevo versos, ainda não sei o que é poesia, mas contemplação é sua profecia.
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"Dos tempos que escrevo versos,
ResponderExcluirainda não sei o que é poesia,
mas contemplação é sua profecia."
Que bonito desfecho, Caio!
A poesia
parece ter
no olhar
a sua morada...
Beijo,
Doce de Lira
Rudá, você é o dono das palavras. Você manda, elas obedecem. E o texto se constrói. Perfeito. Denso. De fuder.
ResponderExcluir¡hasta luego!
Eu as torturo, Thadeu. Simples assim...
ResponderExcluirGostei muito do final do texto. Confesso que senti uma inveja (boa, claro) de você pelo "privilégio que é morar numa cidade costeira e bela como Salvador". Nasci aí e vim parar em Feira de Santana. Mas ainda sonho em, um dia, voltar a morar na minha cidade natal. Abraço.
ResponderExcluirUma ótima crônica, Caio.
ResponderExcluirSe tortura, são belas escravas em suas mãos meu caro.
ResponderExcluirAbraço
Caio, sabe quando caímos num blog por acaso e nos deparamos com leituras tão aprazíveis como a contemplação que gera a poesia. Aconteceu por aqui.
ResponderExcluirum abraço!
olá!
ResponderExcluirtudo bom???
muito prazer,me chamo Augusto César...
gostei muito do seu blogger. show de bola!
estou lhe seguindo,me siga também???
http://osegredodosescritores.blogspot.com/
Encantadora sua habilidade com as palavras. Quando menos esperei... Acabou? Não por incompletude, mas pela efemeridade dos prazeres. Excelente!!!
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