segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Uma crônica gris

Chuva na praia, Carybé

Ultimamente eu tinha me habituado a passar as noites, feriados e finais de semana chez moi. Sair, apenas pelos compromissos cuja ausência implicaria sanção além da moral. Não que antes fosse comum o lazer além-lar, porém, as recentes contigências me puseram um tanto alheio à sociabilidade extra.

O domingo de hoje não seria diferente senão pela campanha de vacinação contra a meningite, devido ao grande número de casos na capital. Tomei meu caminho rumo ao posto de saúde quase à tardinha, fazendo um esforço para dissipar os pensamentos intrusos sobre grandes filas, o que vislumbra todo cidadão brasileiro que se veja nas dependências de um serviço público, e também sobre uma hipotética enfermeira mão-pesada a me aguardar. Quando enfim desarranjei essa nuvem de ideias amargas por sobre minha cabeça, a agulha já estava sendo descartada e um montículo de algodão me era cedido para estancar o sangue, ou qualquer que seja sua real função.

Deixei o local e a praia fez-se visão imediata. Sem hipérbole, realmente estava eu atravessando a avenida que me separava do calçadão da praia. Não pude evitar lembrar uma colega que a miúde convocava a um banho de realidade que levava imediatamente a um de mar, consequência da epifania do privilégio que é morar numa cidade costeira e bela como Salvador. De fato, estava certa. Embora os reveses da vivência local turvasse o proveitoso da situação, não lhe punham fim afinal. Mirava o horizonte algo nublado, algo azulado, uma mescla de cores sentida pelo bater do vento na pele. Nem por isso era um dia feio; pelo contrário, seduzia tolamente, feito mulher que não sabe da sua beleza.

Uma água de coco; o comprei de um senhor, figura simpática na voz gasta e ombros quebrantados, como se indiferente ao porvir, sem desdém, puro desleixo, cansaço. Segui pela orla, no fundo certa tensão comum à cidade grande; avante, porém. O azul-gris, o gris-azulado a soprarem seus ventos aveludados. A água de coco que perseverava, qual o senhor da barraca. Imaginei quando pereceriam, e nisso o olhar que se assentava em nada, vasto. Dos tempos que escrevo versos, ainda não sei o que é poesia, mas contemplação é sua profecia.
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9 comentários:

  1. "Dos tempos que escrevo versos,
    ainda não sei o que é poesia,
    mas contemplação é sua profecia."

    Que bonito desfecho, Caio!
    A poesia
    parece ter
    no olhar
    a sua morada...

    Beijo,
    Doce de Lira

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  2. Rudá, você é o dono das palavras. Você manda, elas obedecem. E o texto se constrói. Perfeito. Denso. De fuder.



    ¡hasta luego!

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  3. Gostei muito do final do texto. Confesso que senti uma inveja (boa, claro) de você pelo "privilégio que é morar numa cidade costeira e bela como Salvador". Nasci aí e vim parar em Feira de Santana. Mas ainda sonho em, um dia, voltar a morar na minha cidade natal. Abraço.

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  4. Se tortura, são belas escravas em suas mãos meu caro.


    Abraço

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  5. Caio, sabe quando caímos num blog por acaso e nos deparamos com leituras tão aprazíveis como a contemplação que gera a poesia. Aconteceu por aqui.

    um abraço!

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  6. olá!
    tudo bom???
    muito prazer,me chamo Augusto César...
    gostei muito do seu blogger. show de bola!
    estou lhe seguindo,me siga também???
    http://osegredodosescritores.blogspot.com/

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  7. Encantadora sua habilidade com as palavras. Quando menos esperei... Acabou? Não por incompletude, mas pela efemeridade dos prazeres. Excelente!!!

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